As 5 execucões de uma família de policiais militares em São Paulo
todo o mundo sabe. Os jornais, os rádios, as redes de tevê não param de
repetir que no começo desta semana foram mortos a tiros o sargento da
Rota Luis Marcelo Pesseghini, a mulher dele e cabo da PM, Andreia Regina
Bovo Pesseghini, a avó materna Benedita Bovo, a tia do menino,
Bernadete Oliveira, e o filho do casal, Marcelo Eduardo. Todas as
vítimas foram assassinadas com um tiro de pistola .40 na cabeça. A arma
foi encontrada embaixo do corpo do menino Marcelo Eduardo.
Escândalo noticiado, com ilustrações de fotos da família unida, eis
que a polícia civil de São Paulo, em raro caso de competência
investigativa, até mesmo para os padrões de todo o mundo, desvendou os
crimes: o criminoso era o filho do casal, o menino de 13 anos, Marcelo
Eduardo, que matou os pais e tirou a própria vida, nessa ordem e para
maior lógica. Mas como assim, por quê, de que modo? Onde faltaram razões
básicas de perícia criminal, sobraram razões exteriores. Uma vez aceito
que o assassino era a criança, passou-se a construir o monstro. O
menino era pacífico, dócil? Ah, aí tem, ele era um psicótico.
Faltava-lhe ódio aos pais? Imaginem, ele era viciado em video game de
crimes. Juntem agora as frases que o menino um dia teria dito ao melhor
amigo, quando falou que sonhava em virar matador de aluguel. Chamem os
especialistas de plantão, os psiquiatras formados em mídia . Pronto,
está completo o retrato falado da criança assassina da família.
Os jornais e tevês têm sido eloquentes, perspicazes e geniais ao
mesmo tempo. Repetem – lembram-se das soluções rápidas, engenhosas de
todos os crimes? – o que a polícia civil declara. Faz sentido, mais de
um repórter policial já afirmou que a polícia investiga e o jornalista
divulga. Mas assim mesmo, nessa ordem? Se assim for, penso que melhor
seria levar as redações para dentro das delegacias de polícia. E assim
ligados, era só avisar para os agentes, “gravando”.
De passagem, observem que sequer é feito o necessário desdobramento
do que declarou o comandante do 18º Batalhão da PM, coronel Wagner
Dimas, que era chefe de uma das vítimas, Andreia Regina Bovo Pesseghini.
Segundo Wagner, a policial Andreia havia denunciado alguns colegas que
estariam envolvidos com roubos a caixas eletrônicos, em São Paulo. Que
vexame para a solução da criança assassina. É claro, a seguir essa
linha, a notícia ganharia uma reviravolta de 360 graus, o que vale
dizer, voltaria ao ponto em que os cadáveres da família foram
encontrados. E para quê, se já temos um assassino pronto, na pessoa do
menino que se matou?
Mas acompanhem por favor. O delegado Itagiba Vieira Franco, que
comanda o inquérito, tem sido firme como uma rocha em suas convicções
sobre quem é o criminoso. Devo dizer, o Dr. Itagiba possui a firmeza
compacta das pedras, dos objetos sem vida. O que tem lá sua lógica, ele
cuida dos sem vida. Nas suas convicções investigativas parece não passar
vida inteligente. Se fosse menos convicto e granítico, procuraria ao
menos responder algumas perguntas. Por exemplo:
Que policiais foram denunciados pela mãe do “assassino”?
É simples atirar com uma pistola .40? Queremos dizer, atirar com ela é tranquilo e fácil para um menino de 13 anos?
A criança não errou um só tiro, ao usar apenas 5 balas. Onde foi
buscar tamanho conhecimento para acertar pontos mortais, somente na
cabeça das vítimas?
Por que os tiros não foram ouvidos por vizinhos ou mesmo pelas vítimas em tempo de uma reação?
Um menino de 13 anos é capaz de cuidar de tantos detalhes e ocultações para executar pessoas?
Pergunta mais grave, talvez: como, ao se matar com um tiro na cabeça,
de pistola .40, o menino pôde cair para a frente? E ao cair ter tempo e
forças para esconder a pistola embaixo do corpo?
Dizem os especialistas que o impacto de um projétil de arma calibre
trinta e oito é como uma tijolada, de tijolo sem furos, arremessado a
uma velocidade de 100 km por hora. Mas o projétil da pistola .40 tem
muito mais impacto, é um fortíssimo coice.
Em resumo: os cinco mortos na casa fazem uma cena bem montada por
quem possui experiência de ocultar execuções frias. Iguais àquelas
cometidas na periferia de São Paulo. Mas parece faltar ao diretor de
cena o conhecimento artístico de um autor de teatro. Falta
verossimilhança nos corpos postos com uma só bala na cabeça cada. Pela
cena, o criminoso já morreu. E com isso, o delegado pensou em fechar a
investigação, esse vício acumulado por anos de impunidade, desde a
ditadura. A saber, neste caso inacreditável: o menino de 13 anos é o
assassino.