Luis Nassif
Novos lances radicais alteram o jogo eleitoral.
Os candidatos disputam dois universos: o popular e o empresarial (e, por tabela, o da classe média midiática).
Dilma Roussef
Em nenhum momento, o governo Dilma Rousseff abandonou as políticas
sociais. Pelo contrário, aprofundou-as com o Brasil Sorridente, a
manutenção da política de reajustes do salário mínimo e isenções da
folha que permitiram a ampliação do mercado de trabalho formal.
Seu problema é a postura política em relação aos movimentos sociais (e
não só em relação a eles) e aos sindicatos. Sempre os viu de cima para
baixo, ela como um poder concedente, não como uma igual, lembrando muito
mais a postura de um Getúlio Vargas do que de um Lula.
Dilma sempre se viu como a defensora dos excluídos, dos setores não
organizados – o que é uma característica positiva extraordinária.
Os desassistidos não têm quem os defenda, por vulneráveis são pouco
exigentes e, também, extremamente reconhecidos a quem os ajuda.
Já os movimentos organizados são petulantes.
Experimente quebrar lanças em favor de determinado movimento social – ou
sindical. Ao final do processo, as lideranças dirão que tudo foi
possível devido à sua própria pressão política. Políticos sensíveis à
causa jamais concedem; são “obrigados a ceder” graças ao espírito de
luta das lideranças do movimento.
É irritante, sim, mas essa petulância é um importante sinal de
autoafirmação, daqueles recém chegados ao jogo político. É necessário
paciência e maturidade para tratar com eles e acompanha-los em seu
processo de amadurecimento, entender e aceitar o jogo político das
lideranças.
Dilma não parece ter paciência para esse jogo.
Esse é o busílis da questão, o ponto central de desgaste do estilo Dilma
em relação a quase todos os setores organizados da sociedade, de
movimentos sociais a empresariais.
No atual estágio de desenvolvimento social brasileiro, há pouco espaço
para o estilo concedente de Getúlio. O governante tem que se comportar
como o líder articulando forças, tratando as lideranças da sociedade
como iguais, sem impor soluções.
Em seu período de governo, Dilma procurou a aliança com os chamados
setores produtivos da economia, geradores de emprego e desenvolvimento.
Mesmo com todas as políticas em relação ao setor, com a ampliação do
crédito público, das compras governamentais, das isenções tributárias,
Dilma perdeu a batalha tanto junto ao mercado financeiro como ao
empresarial em geral– devido ao seu estilo centralizador.
Com seu discurso de ontem, jogou a toalha em relação à conquista do
público empresarial e passou a apostar as fichas nos segmentos
populares.
Mas atuou com o mesmo estilo com que contemplou setores industriais: do
alto do seu poder de presidente, concedeu aos trabalhadores e miseráveis
a correção da tabela do Imposto de Renda, o reajuste do Bolsa Família e
a manutenção da política de reajustes do salario mínimo. E tudo isso
acompanhado de mudanças radicais na retórica.
Essas mudanças de retórica exigem uma estratégia cautelosa de transição
que não foi seguida, para não passar a ideia de oportunismo em um
momento crítico da sua candidatura
O discurso tem a vantagem de mostrar que Dilma não está inerte. Rompido o
imobilismo, é possível que corrija as vulnerabilidades centrais, a
teimosia encruada. Mas, para isso, terá que avançar muito além da
retórica e cortar na própria carne –na parte central de seu temperamento
e estilo de governar.
A reconstrução da credibilidade passa por mudanças ministeriais, para um
Ministério de primeira grandeza, por mudanças no estilo autocrático de
gestão, pela criação de instâncias de participação da sociedade dotadas
de capacidade efetiva de influir em políticas públicas. E pela
capacidade de tratar a chamada sociedade civil organizada – de
movimentos sociais a empresariais – como um igual.
Eduardo Campos
Já Eduardo Campos está preso a dilemas complexos.
Sua estratégia inicial era se apresentar como um continuador melhorado
do governo Lula. Para ganhar massa eleitoral, no entanto, teve que
juntar seus ideólogos nacionalistas aos formuladores mercadistas e
antidesenvolvimentistas de Marina Silva.
O discurso popular ficou comprometido e ele passou a dedicar todos os esforços para conquistar o público empresarial.
Não avançou muito. A esta altura, parece claro que os grupos de mídia e
os maiores grupos empresariais paulistas fecharam com Aécio Neves.
Campos tem o apoio da ala influente, mas restrita, ligada ao Banco Itaú,
e dos apreciadores de seu estilo de gestão, nada muito além disso. Sua
última cartada será a mudança física para São Paulo, para um corpo a
corpo com o mundo empresarial.
Para conquistar espaço junto a esse público, cometeu a impropriedade,
ontem, de prometer uma meta de inflação de 3%, que, se fosse
viabilizada, jogaria o país em uma recessão considerável e acabaria com a
conquista do pleno emprego.
Foi uma mudança de retórica tão radical quanto a de Dilma. E, por radical, deverá provocar mais desconfianças do que adesões.
Aécio Neves
Conseguiu fechar acordo com a mídia. Tem apoio do mercado financeiro,
dos grupos empresariais paulistas e conseguiu a adesão do ainda
influente grupo de financistas de Fernando Henrique Cardoso.
Isolou José Serra trazendo para sua campanha alguns dos principais
serristas, como Aloysio Nunes, Alberto Goldmann e o inacreditável Andréa
Matarazzo – para cuidar das finanças (!).
Serra tentou uma rabeira no bonde através de balão de ensaio empinado
pela colunista Sonia Racy – de que FHC estaria bancando sua candidatura
para vice de Aécio. É mais fácil a torcida do Atlético torcer para o
Cruzeiro do que consumar-se essa dobradinha.
Nos próximos meses, os grupos de mídia concederão a Aécio algo que
sempre foi sonegado quando era adversário de Serra: visibilidade para o
modelo mineiro de gestão.
Em 2010, os jornais preferiam falar dos problemas de contabilização de
gastos de saúde do que nos avanços ocorridos em alguns setores. Hoje em
dia, tecem loas aos avanços na educação.
Aécio terá que enfrentar desafios muito maiores.
Não dispõe de nenhuma proposta efetivamente popular e de nenhum plano
para o futuro. Mostra o futuro acenando com o passado do governo
Fernando Henrique Cardoso.
No plano econômico, limita-se ao financismo estéril da política
monetária – que, em qualquer plano de governo, deveria ser apenas um
apêndice, não o ponto central.
Na sua luta com Campos – para passar para o segundo turno – irá
aprofundar os ataques a Dilma e a levantar a bandeira do moralismo,
auxiliado pela onda denuncista dos grupos de mídia.
Serão as eleições mais vazias de ideias das últimas décadas.
Não haverá nem o tempero de José Serra. Com Serra na parada, pelo menos
havia uma bandeira civilizatória em jogo: a soma das mentes democráticas
contra aquele que passou a simbolizar as forças mais obscurantistas,
totalitárias e inescrupulosas do país.