Estudo indireto com 25 mil pessoas mediu consumo por 6 meses em 2012.
Nordeste lidera lista em números absolutos, e 14% do total são menores.
Um levantamento feito pela Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz), ligada ao Ministério da Saúde em parceria com a Secretaria Nacional
de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, revela que cerca
de 370 mil brasileiros de todas as idades usaram regularmente crack e similares
(pasta base, merla e óxi) nas capitais ao longo de pelo menos seis meses em
2012.
Por "uso regular", foi considerado um
consumo de pelo menos 25 dias nos seis meses anteriores ao estudo, de acordo
com definição da Organização Panamericana de Saúde (Opas).
Esse número de 370 mil pessoas corresponde a 0,8% da
população das capitais do país e a 35% dos consumidores de drogas ilícitas
nessas cidades. Além disso, 14% do total são crianças e adolescentes, o que
equivale a mais de 50 mil usuários.
O estudo foi realizado com 25 mil pessoas de forma
domiciliar e indireta, ou seja, cada indivíduo respondeu a questões sobre suas
redes sociais (familiares, amigos e colegas de trabalho residentes no mesmo
município) de forma geral e também especificamente sobre o uso de crack e
outras drogas.
O resultado, portanto, é uma estimativa do que
ocorre nas 26 capitais e no Distrito Federal – em outra pesquisa da Fiocruz,
por exemplo, feita de forma direta com 7 mil entrevistados em 112 municípios
(incluindo capitais e regiões metropolitanas) entre o fim de 2011 e junho de
2013, o total não passou de 48 mil usuários de crack e similares.
Segundo os autores, a metodologia indireta, chamada
Network Scale-up Method (NSUM), permite que populações de difícil acesso (como
presos, hospitalizados, estudantes, militares, religiosos, fugitivos e vítimas
de catástrofes) também entrem nessa conta.
De acordo com o secretário da Senad, Vitore
Maximiano, essas duas pesquisas são as maiores já feitas sobre crack no mundo,
pelo número de entrevistados e pelo volume de dados gerados.
"Somando-se os dois estudos, são 32 mil
questionários produzidos. Estamos investigando uma população oculta, que tem
dificuldade de revelar seu uso, suas prevalências, porque há a questão
criminal, a discriminação", destaca.
Maximiano diz que o usuário de crack, conforme os
resultados, é alguém que vive uma forte exclusão social, tem baixa escolaridade
e dificuldade de inserção no mercado de trabalho, com predominância de
indivíduos não brancos (80%) e em situação de rua.
Nordeste lidera
ranking
Entre as regiões do Brasil, o Nordeste lidera o uso regular de crack e similares, com 40% do total, seguido do Sudeste, do Centro-Oeste, do Sul e do Norte (veja o gráfico acima). Além disso, cerca de 80% dos usuários dessas substâncias fazem isso em lugares públicos e de grande circulação, como as ruas.
Entre as regiões do Brasil, o Nordeste lidera o uso regular de crack e similares, com 40% do total, seguido do Sudeste, do Centro-Oeste, do Sul e do Norte (veja o gráfico acima). Além disso, cerca de 80% dos usuários dessas substâncias fazem isso em lugares públicos e de grande circulação, como as ruas.
Estamos investigando uma população oculta, que tem
dificuldade de revelar seu uso, suas prevalências, porque há a questão
criminal, a discriminação"
Vitore Maximiano,
secretário da Senad
secretário da Senad
Nas capitais do Sudeste e do Centro-Oeste, o crack
e similares correspondem a 52% e 47%, respectivamente, de todas as drogas
ilícitas (com exceção de maconha) consumidas nessas cidades. Já no Norte, o
crack tem uma participação menor no total: cerca de 20%.
Além disso, as capitais do Nordeste são as que
concentram mais crianças e adolescentes usuários de crack e similares, com 28
mil pessoas. No Sul e no Norte, esse número é de cerca de 3 mil indivíduos em
cada região.
Segundo Maximiano, o alto uso de crack no Nordeste
está ligado ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) local, onde há uma
população mais carente. Essa droga acaba sendo, portanto, uma alternativa
barata. Já no Sul, a relação é de ordem sociológica, pois lá as pessoas
tradicionalmente consomem mais drogas (sobretudo injetáveis) que a média
nacional.
Nas mesmas cidades analisadas, estima-se que 1
milhão de pessoas usem drogas ilícitas em geral (cocaína, heroína, ecstasy,
LSD, etc), com exceção de maconha. De acordo com os autores, ainda não é
possível fazer um estudo em todo o país porque não há bancos de dados nacionais
com informações suficientes sobre grupos específicos da população.
Usuário difícil de encontrar
Na opinião do pesquisador da Fiocruz Francisco Inácio Bastos, um dos
coordenadores dos levantamentos, em estudos tradicionais com perguntas diretas
não é possível identificar os usuários de crack e similares em casa, pois eles
estão nas ruas. Para ter acesso a essas pessoas, então, é preciso ir em busca
de suas redes de contatos.
Além de estarem fora de casa, os indivíduos que
consomem drogas como o crack são mais estigmatizados que aqueles que usam
maconha ou álcool, na opinião de Bastos. Por isso, a maioria dos usuários não
assume o vício.
Entre as perguntas feitas pelo método indireto,
incluídas em uma lista com cerca de 100 questões, estavam: "Você conhece
alguém que usa crack? Quantas pessoas?" Além disso, o levantamento reuniu
perguntas sobre o programa Bolsa Família e outros assuntos que, depois, foram
confirmados em cadastros oficiais das capitais.
Sobre as "cracolândias", Bastos diz que
esse não é um fenômeno comum e está mais restrito a São Paulo e ao Rio de
Janeiro, pois para esses locais existirem é preciso de alguns pré-requisitos,
como grande densidade urbana, ausência do poder público naquele determinado
lugar e uma cadeia de distribuição de drogas de grande porte.
O relatório da Fiocruz conclui que o estudo
indireto pode servir de base para futuras pesquisas sobre crack com essa mesma
metodologia, a fim de gerar uma série histórica confiável. A partir dele, na
visão dos autores, também é possível pensar em políticas públicas e estratégias
voltadas principalmente para crianças e adolescentes.
Homem jovem, solteiro e de rua
O outro levantamento da Fiocruz, feito de forma direta com 7 mil pessoas de 18
anos ou mais em 112 municípios, entre 2011 e 2013, envolveu cerca de 400
perguntas e teve como base o método Time-Location Sampling (TLS), para analisar
o perfil dos usuários e o cenário de consumo.
As cidades pesquisadas foram as 26 capitais, o
Distrito Federal, nove regiões metropolitanas e municípios de médio e pequeno
porte. Os locais de estudo foram as próprias cenas de uso de crack e serviços
de saúde próximos.
A média de idade dos entrevistados era de 30 anos.
Por sexo, os usuários se mostraram predominantemente homens, representando
quase 80% do total. Em levantamentos anteriores sobre crack e cocaína, essa
proporção era menor: cerca de 60%, contra 40% de mulheres. Esse índice
encontrado agora, segundo a Fiocruz, tem relação com uma maior presença
masculina no tráfico e em cenários abertos de uso de drogas.
Entre as mulheres usuárias de crack ouvidas, 10%
estavam grávidas naquele momento e mais da metade já havia engravidado pelo
menos uma vez desde o começo do vício.
Além disso, a maioria (60%) dos usuários de crack
declarou ser solteira, 40% vivem nas ruas, 65% fazem trabalhos esporádicos ou
autônomos e muitos não chegaram a concluir o ensino médio ou entrar no ensino
superior. Atividades ilícitas, como tráfico de drogas e furtos/roubos, foram
admitidas por apenas 6,4% e 9% dos entrevistados, respectivamente.
A principal motivação para usar crack e similares
foi curiosidade/vontade, apontada por mais da metade dos entrevistados. Em
seguida, vieram pressão dos amigos (26,7%) e problemas familiares ou perdas
afetivas (29,2%). O baixo preço da droga também seria um fator contribuinte
para a manutenção do vício ao longo do tempo, mas não determinante para o
início da experimentação.
O tempo médio de uso foi de 8 anos nas capitais,
contra 5 anos nos demais municípios. O número médio de pedras utilizadas por
pessoa nas capitais foi de 16 ao dia, contra 11 nas outras cidades. O consumo
dos homens foi mais prolongado, mas as mulheres usaram mais pedras por dia –
até 21, contra 13 dos homens.
Além desses dados, quase 30% das usuárias de crack
ouvidas admitiram trocar dinheiro ou drogas por sexo, contra 1,3% dos homens.
Elas também foram maioria nos casos de violência sexual prévia: 44,5%, contra
7% no sexo masculino.
Mais de um terço de todos os usuários entrevistados
admitiu, ainda, não ter utilizado preservativo em nenhuma das relações sexuais
ocorridas naquele mês. E mais da metade (53,9%) nunca havia feito um teste de
HIV, o que é algo preocupante, pois os usuários analisados apresentaram
prevalência do vírus da Aids oito vezes maior que a da população geral.
A maioria (quase 75%) fumava crack em cachimbos,
seguidos de latas (51,8%) e copos plásticos com tampa de alumínio (28,3%). Além
disso, mais de 70% compartilhavam esses apetrechos, o que a Fiocruz chama
atenção pelo risco de transmissões virais como hepatites.
Dos entrevistados que já tiveram alguma situação de
overdose nos 30 dias anteriores à pesquisa, 44,7% passaram por isso pelo uso de
crack e 22,4% sofreram intoxicação aguda em decorrência do abuso de álcool. E,
ao todo, 41,6% relataram terem sido detidos no último ano, por motivos como
posse de drogas (quase 14%), assalto/roubo (9,2%), furto/fraude/invasão de
domicílio (8,5%) e tráfico ou produção de drogas (5,5%).
Resposta do governo
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou nesta quinta-feira (19), durante entrevista coletiva em Brasília, que será feito um plano de três eixos para enfrentar o crack no país: um de prevenção, um de cuidados e outro de autoridade.
Resposta do governo
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou nesta quinta-feira (19), durante entrevista coletiva em Brasília, que será feito um plano de três eixos para enfrentar o crack no país: um de prevenção, um de cuidados e outro de autoridade.
"(O primeiro) exige um conjunto de medidas de
orientação social, que possa esclarecer os malefícios do uso do crack",
explicou. Já o eixo de cuidados inclui tratar os usuários, contratar bons
profissionais e manter um número suficiente de unidades de tratamento.
"O eixo autoridade tem a ver com medidas de
segurança pública e o enfrentamento rigoroso das organizações de
narcotraficantes", destacou.
O ministro afirmou também que os usuários de crack
devem ser considerados dependentes químicos e, portanto, passíveis de
tratamento, e não tratados com sanções penais.
"A maior parte dos usuários são pessoas de
extrema vulnerabilidade social. Quando você vai ouvi-las, ao contrário do que
muitos pensam, 80% querem tratamento e 92% querem apoio para conseguir emprego
ou ensino para se reinserir socialmente", disse Cardozo.
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Luna D'Alama, Rafaela Céo e Isabella Formiga Do G1, em São Paulo e em Brasília