O número excessivo de presos em situação provisória, ou seja, sem que
estejam definitivamente condenados pelo trânsito em julgado do
processo, comprova que prevalece no país uma “lógica do encarceramento”,
segundo a opinião de especialistas reunidos no seminário Prisão
Provisória e Seletividade, que está sendo realizado hoje (26) na sede do
Conselho da Justiça Federal, em Brasília.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), organizador do
evento junto com o Ministério da Justiça e a Rede Justiça Criminal,
quatro de cada dez presos são mantidos encarcerados no Brasil sem
julgamento definitivo, equivalentes a 40% da população carcerária
brasileira, que é aproximadamente 500 mil detentos.
Os dados apresentados durante o seminário apontam que muitos dos crimes
praticados por encarcerados em prisão cautelar não oferecem grave
ameaça à sociedade, a exemplo de pequenos furtos, depredação de
patrimônio e brigas, entre outros.
Participaram do evento, cujo objetivo foi debater alternativas para o
uso abusivo da prisão provisória no país, magistrados, advogados,
policiais e representantes de organizações da sociedade civil, do
Judiciário, do Congresso Nacional e do governo federal.
“Há no Brasil, um excessivo número de presos provisórios. É preciso
oferecer instrumentos diversos à prisão para aqueles casos em que ela
não é necessária”, observou o coordenador da Secretaria de Assuntos
Legislativos do Ministério da Justiça, Luiz Antônio Bressane.
Desde julho de 2011, com a Lei 12.403/11, os juízes têm novas
opções, chamadas medidas cautelares, além da prisão preventiva, para
afastar ameaças à condução do processo criminal. A lei determina também
que a prisão provisória só deva ser realizada em caráter excepcional.
Entre as medidas alternativas oferecidas pela lei estão a prisão
domiciliar, o monitoramento eletrônico e a proibição de viajar. Contudo,
estes instrumentos não vêm sendo utilizados pela maioria dos
magistrados.
Na avaliação do secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da
Justiça, Flávio Caetano, é preciso construir um pacto
interinstitucional pela melhoria do sistema carcerário brasileiro. “A
situação é realmente muito ruim. Precisamos, em conjunto, buscar
condições de aplicar a nova lei e avaliar se ela tem contribuído para
reduzir a banalização do uso da prisão provisória no país”.
Para Flávio Caetano, muitas vezes os juízes não aplicam as medidas
cautelares porque não se sentem seguros com a sua efetividade, devido à
ausência de estrutura necessária para aplicar as medidas. “Nosso desafio
é construir uma rede de apoio para fiscalizar a aplicação das medidas”,
destaca.
A deputada federal Érika Kokay (PT-DF) disse na abertura do
seminário que existe um recorte definido para a população carcerária no
Brasil, fenômeno que chamou de “prisão seletiva”, e que afeta a
população de baixa renda, jovem e de origem negra. “O encarceramento
indevido, situação da maior parte dos presos provisórios, desumaniza”,
argumentou.
A opinião é compartilhada pelo assessor jurídico da Pastoral
Carcerária, José de Jesus Filho. Ele argumenta que a prisão provisória
vem substituindo, para essa população, o lugar das políticas sociais,
como saúde e educação, que permitiriam a ressocialização: “a prisão
provisória acaba se convertendo numa espécie de porta giratória: eles
vão e voltam”.
No Brasil, segundo o Ministério da Justiça, 273.040 mil presos não
completaram o ensino fundamental, o que corresponde a mais da metade da
população carcerária brasileira (63,5%). Desses, 25.319 sequer são
alfabetizados.
José de Jesus defende que o Estado invista mais em políticas
preventivas, principalmente no que diz respeito aos dependentes de
drogas, como o cracia Bbenck. “A resposta que estamos dando aos
problemas relacionados com a vulnerabilidade dessas pessoas é a prisão.
Não dá para nós mantermos um sistema de aprisionamento em massa. É
inviável”, constata.
A Rede Justiça Criminal, uma das organizadoras do evento, é integrada
pelas seguintes entidades da sociedade civil: Instituto Sou da Paz;
Pastoral Carcerária; Associação pela Reforma Prisional; Instituto de
Defesa do Direito de Defesa; Instituto Terra, Trabalho e Cidadania;
Justiça Global; Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São
Paulo (USP); Conectas Direitos Humanos, e Instituto de Defensores de
Direitos Humanos.
Da Agencia Brasil