É claro que o momento é de auxiliar as famílias enlutadas pela
perda prematura de seus filhos em Santa Maria. É claro que a hora é de
dar apoio aos feridos e seus familiares. É claro que o momento é de
muita dor e de muita solidariedade.
Mas não me digam que é menos hora de uma grande reflexão sobre a
irresponsabilidade de muitos que protagonizaram esta barbárie. Não
venham me dizer que o momento é impróprio para se apurar culpas e
responsabilidades pela tragédia.
Ou que a hora não seria adequada para verificar como a Prefeitura de
Santa Maria e o Batalhão do Corpo de Bombeiros local permitiram,
placidamente, o funcionamento de uma verdadeira ratoeira humana, uma
boate que sempre foi uma câmara letal de monóxido de carbono, que esteve
sempre ali, pronta e preparada para ceifar a vida de mais de duas
centenas de pessoas em poucos segundos, pois sempre operou seu
“comércio” do mesmo jeito, só esperando pela fagulha.
Ou ainda que a oportunidade não seria ideal para investigar como, de
que forma e com qual autorização legal músicos que desconhecem os
princípios mais elementares da física, agindo quais ignorantes
funcionais, realizam shows pirotécnicos em locais públicos absolutamente
impróprios, pois fechados e apinhados de gente, como era do hábito
notório dos shows dos músicos desta banda chamada Gurizada Fandangueira.
Afinal, foram eles que encarregaram-se de fornecer a fagulha macabra
que faltava na Boate Kiss, como estopim para esta brutalidade hedionda e
sinistra, tornando-a a boate do beijo da morte.
Não me queiram convencer de que não é agora, já, a oportunidade ideal
de se verificarem os alvarás, as licenças, os laudos, o lay-out, os
equipamentos e as saídas de segurança disponibilizadas nesta casa
noturna, e de se indagar do porquê da inexistência de outras saídas de
emergência além da porta principal, da falta de sprinklers, de
extintores de incêndio que funcionassem, da ausência de um plano de
evacuação da casa, bem como sobre a razão de não contar com empregados
treinados e preparados, especialmente os “seguranças”, de forma a
garantir, no fim das contas, a segurança e integridade de seus jovens
clientes-freqüentadores.
E não me digam, por favor, que não é o momento para se apurar o uso
absolutamente criminoso de espumas inflamáveis, feitas à base de
petróleo, no isolamento acústico da uma casa noturna.
A hora é, sim, bem apropriada para serem identificados todos os reais
responsáveis por este crime coletivo de omissão e de
irresponsabilidade, sejam eles autoridades públicas, eleitas ou não,
sejam eles empresários inescrupulosos e/ou gananciosos, ou meros
ignorantes funcionais que não tinham noção sobre o que estavam fazendo.
Afinal, quantas outras ratoeiras humanas não existirão por aí, atraindo
jovens e crianças, só esperando a fagulha fatal para acenderem e
ceifarem a vida de outros tantos incautos?
Pois, ao que se percebe até aqui, a boate Kiss já operava nas mesmas
condições há meses, senão anos, como uma verdadeira armadilha mortal
montada e disfarçada. Ela iria se incendiar algum dia. Era só uma
questão de tempo. E isto acabou ocorrendo na madrugada do dia 27 de
janeiro de 2013. Não foi, em absoluto, uma fatalidade, mas uma tragédia
anunciada às autoridade, assim como aos donos e responsáveis pela casa.
A ignorância, quando associada à omissão e à irresponsabilidade -
especialmente por quem é pago para não ser, justamente, ignorante e
irresponsável -, costuma produzir as grandes tragédias humanas.
Aos familiares dos mortos e feridos, minha solidariedade.
Contribuição de Rogério Guimarães OIliveira, advogado.